Casei-me uma vez. Entrei feliz ao som dos Beatles. Durou 30 meses – o tempo do
contrato de aluguel – e a separação foi para mim uma alegria maior. Admito que
minha experiência foi um caso à parte. Aquela relação não teria ido longe,
independentemente do formato.
Mas, se a cada dia mais pessoas se casam, a cada dia mais casais se separam.
Meu irmão costuma dizer que o segundo casamento é o que dá certo. Entendi isso
depois que me separei. Logo me apaixonei por um homem que também havia sido
casado. Vivemos uma união em casas distintas, e, como reza o ritual que não
fizemos, a morte nos separou. Mas a experiência anterior ajudou no cuidado que
tivemos um com o outro nessa segunda chance. Aprendi lições que o tempo vem
confirmando.
Muita gente se casa “para os outros”, não “para si mesmo”. Prefiro o amor silencioso
e quieto um sentimento que não foi feito para todo mundo frequentar.
Casamento é a tentativa de fortalecer um laço que tem a fragilidade como essência
– e aí mora a sua magia. Deve-se tomar cuidado com a armadilha de ter que ser
para sempre. A obrigação é inimiga do desejo. Ignorar a promessa de eternidade
talvez seja um bom começo para quem quer ficar junto o resto da vida. Para uma
relação levam-se problemas, histórias, medos, frustrações. Mas não é essencial
casar-se com a fila do banco que o outro teve que frequentar, nem com a irritação
depois de um dia de trabalho. É importante dar colo, mas não pode ser colo o tempo
todo. Dividimos com o outro as coisas difíceis na intenção de que elas se dissipem,
não na de que aumentem de tamanho. Se for somar que sejam as alegrias.
Casamento não é nem pode ser fusão. 1 + 1continua sendo igual a 1 + 1. Cuidado
com a vontade de ser dono da outra pessoa – já é tão difícil sermos donos de nós
mesmos. O amor é feito de matéria sutil, e seu alicerce é justamente a
impossibilidade de “ter” o outro. Quando o outro não está garantido, fazemos mais
por ele. É sempre tempo de cultivar a delicadeza.
Muitos só entendem isso depois que se separam. Aí entra o raciocínio do meu
irmão: numa segunda vez, erra-se menos. Quem já se separou certamente sabe o
que é viver sozinho. E é preciso saber viver só para viver bem a dois.
Quem vive só se mobiliza para resolver seus problemas, não fica à espera de que o
outro o faça. Quem vive só cultiva hábitos próprios, conjuga os verbos no singular. O plural é lucro. É fundamental preservar a autonomia, ou a relação se torna um
depositário das mazelas e dos problemas mútuos.
Deve haver um jeito de reservar o melhor de nós para o outro e guardar o pior para
nós mesmos. Preservar pequenos mistérios que nos mantêm interessantes. Há uma
alquimia no exercício da conquista, do cuidado, da atenção.
É preciso cuidar do amor como planta frágil que é. Água demais, sol de menos,
muito tempo no canto errado da varanda: tudo isso pode fazer murchar o que antes
era exuberante. Para florir cada planta tem seu jeito. Como cada relação tem seus
mistérios e idiossincrasias.
Não tenho dúvida: o amor é feito de presenças e faltas. E é na falta que se apura a
vontade de estar junto. Acordar juntos é gostoso; acordar com saudade também. É
que outra essência do amor é a liberdade: é preciso espaço para ele crescer
confortável.
Amor pede rotina. Mas pede a suavidade de não fazer tudo sempre igual. Pede o
cultivo da intimidade sem excessos. Amor é construção. Um tijolo a cada dia. É um
trabalho que não termina nunca.
Talvez seja esse o significado da expressão: “Felizes para sempre”.
Cris Guerra – Revista Encontro- Março/
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